Orientações:
1° Pessoal seguem abaixo os dois textos que servirão de apoio para nosso debate sobre a polêmica do deputado Marco Feliciano na comissão de direitos humanos.
2° Após a leitura dos textos de apoio, produzam um breve texto indicando a opinião de vocês sobre o tema do debate. O texto produzido por vocês servirá de recurso para avaliação do debate e atribuição da nota de vocês. Até sexta feira. Boa leitura!
TEXTO 01: O primeiro embate
Os
embates em torno da presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da
Câmara talvez sejam o primeiro capítulo de um novo eixo na política brasileira.
A maneira aguerrida com que o
deputado Marco Feliciano e seus correligionários ocupam espaço em uma comissão
criada exatamente para nos defender de pessoas como eles mostra a importância
que dão para a possibilidade de bloquear os debates a respeito da modernização
dos costumes na sociedade brasileira. Pois, tal como seus congêneres
norte-americanos, apoiados pelo mesmo círculo de igrejas pentecostais, eles
apostam na transformação dos conflitos sobre costumes na pauta política
central. Uma aposta assumida como missão.
Durante os últimos anos, o
conservadorismo nacional organizou-se politicamente sob a égide do consórcio
PSDB-DEM. Havia, no entanto, um problema de base. O eleitor tucano orgânico é
alguém conservador na economia, conservador na política, mas que gosta de se
ver como liberal nos costumes. Quando o consórcio tentou absorver a pauta do
conservadorismo dos costumes (por meio das campanhas de José Serra), a
quantidade de curtos-circuitos foi tão grande que o projeto foi abortado. Mesmo
lideranças como FHC se mostraram desconfortáveis nesse cenário.
Porém ficava claro, desde
então, que havia espaço para uma agremiação triplamente conservadora na
política brasileira. Ela teria como alicerce os setores mais reacionários das
igrejas, com suas bases populares, podendo se aliar aos interesses do
agronegócio, contrariados pelo discurso ecológico das "elites
liberais". Tal agremiação irá se formar, cedo ou tarde.
Nesse sentido, o conflito em
torno dos direitos dos homossexuais deixou, há muito, de ser algo de interesse
restrito. Ele se tornou a ponta de lança de uma profunda discussão a respeito
do modelo de sociedade que queremos.
A luta dos homossexuais por
respeito e reconhecimento institucional pleno é, atualmente, o setor mais
avançado da defesa por uma sociedade radicalmente igualitária e livre da
colonização teológica de suas estruturas sociais. Por isso, ela tem a
capacidade de recolocar em cena as clivagens que sempre foram o motor dos
embates políticos.
A história tem um peculiar
jogo por meio do qual ela encarna os processos de transformação global em lutas
que, aparentemente, visam apenas a defesa de interesses particulares.
Ao exigir respeito e
reconhecimento, os homossexuais fazem mais do que defender seus interesses.
Eles confrontam a sociedade com seu núcleo duro de desigualdade e exclusão. Por
isso, sua luta pode ter um forte poder indutor de transformações globais.
VLADIMIR
SAFATLE escreve às terças-feiras nesta coluna.
Vocábulos
nascem de expressões populares. Assim como nomes próprios trazem significados
que deitam raízes em suas respectivas etimologias. Feliciano é nome de origem
latina, derivado de felix, feliz. Nem sempre, contudo, uma pessoa chamada
Modesto deixa de ser arrogante e conheço uma Anabela que é de uma feiura de
fazer dó.
Estamos
todos nós, defensores dos direitos humanos, às voltas com um pepino federal.
Nossos servidores na Câmara dos Deputados, aqueles cujos altos salários são
pagos pelo nosso bolso, cometeram o equívoco de eleger o deputado e pastor
Marco Feliciano para presidir a Comissão de Direitos Humanos e Minorias.
O pastor
deputado, filiado ao PSC-SP, escreveu em seu Twitter: "Africanos descendem
de ancestral amaldiçoado por Noé. Isso é fato". Em outra mensagem, postou:
"Entre meus inimigos na net (sic) estão satanistas, homoafetivos,
macumbeiros...".
Em
processo aberto no Supremo Tribunal Federal, Feliciano é acusado de induzir ou
incitar discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia ou religião --crime
sujeito à prisão de um a três anos, além de multa. Em sua defesa, Feliciano
afirma: "Citando a Bíblia (...) africanos descendem de Cão (sic) (ou Cam),
filho de Noé. E, como cristãos, cremos em bênçãos e, portanto, não podemos
ignorar as maldições".
Que deus
é esse que amaldiçoa seus próprios filhos? Essa suposta teologia vigorou no
Brasil colonial para justificar a escravidão. O Deus de Jesus ama
incondicionalmente a todos. Ainda que O rejeitemos, Ele não deixa de nos amar,
conforme atestam a relação do profeta Oseias e sua mulher, Gomer, e a parábola
do Filho Pródigo.
Todo
fundamentalismo cristão é ancorado na interpretação literal da Bíblia, que
deriva da ignorância exegética e teológica. Os criacionistas, por exemplo,
acreditam que existiram um senhor chamado Adão e uma senhora chamada Eva, dos
quais somos descendentes (embora não expliquem como, pois tiveram dois filhos
homens, Caim e Abel...). Ora, Adão em hebraico é terra, e Eva, vida. O autor
bíblico quis acentuar que a vida, dom maior de Deus, brota da terra.
Ter
Feliciano como presidente de uma comissão tão importante --por culpa de
legendas como PMDB, PSDB e PT-- é uma infelicidade. Não condiz com o nome do
deputado que, na roda do samba que está obrigado a dançar, insiste no refrão:
"Daqui não saio, daqui ninguém me tira".
O
deputado é um pastor evangélico. Sua conduta deveria, no mínimo, coincidir com
os valores pregados por Jesus, que jamais discriminou alguém.
Jesus
condenou o preconceito dos discípulos à mulher sírio-fenícia; atendeu solícito
o apelo do centurião romano (um pagão!) interessado na cura de seu servo;
deixou que uma mulher de má reputação lhe lavasse os pés com os próprios
cabelos, e ainda recriminou os que se escandalizaram ao presenciar a cena; e
não emitiu uma única frase moralista à samaritana adepta da rotatividade
conjugal, pois estava no sexto homem! Ao contrário, a ela Jesus se revelou como
o Messias.
É direito
intrínseco de todo ser humano, e também da democracia, cada um pensar pela
própria cabeça. Nada contra o pastor Feliciano, na contramão do Evangelho,
abominar negros e odiar homossexuais e adeptos da macumba. Desde que não
transforme seu preconceito em atitude discriminatória, e seu mandato em
retrocesso às conquistas que a sociedade brasileira alcança na área dos
direitos humanos.
Estamos
todos nós indignados frente ao impasse armado pelo jogo político rasteiro da
Câmara dos Deputados. Eis uma verdadeira situação de infelicianeidade, com a
qual não podemos nos conformar.
CARLOS ALBERTO LIBÂNIO CHRISTO, 68, o
Frei Betto, frade dominicano, é autor de "Aldeia do Silêncio" (Rocco).